Professor de ciência política no Massachusetts Institute of Technology, a respeitada universidade americana mais conhecida pela sigla MIT, Ben Ross Schneider é um estudioso da realidade brasileira. Depois das aulas que teve com o jornalista Elio Gaspari quando fazia um mestrado na Universidade Colúmbia no final dos anos 70, passou a ter um olhar atento para o país.
Especialista em política comparativa, Schneider tem se dedicado, mais recentemente, a examinar por que vários países em desenvolvimento, como o Brasil, não conseguem fazer a transição para o Primeiro Mundo, ficando presos ao que os economistas chamam de armadilha da renda média. “Ao contrário do que muita gente pensa, o problema não é econômico. É político”, disse Schneider a EXAME em bom português.
EXAME – O que é a armadilha da renda média?
Ben Ross Schneider – Organismos internacionais, como o Banco Mundial, dividem os países com base no produto interno bruto per capita. Os que têm um PIB per capita inferior a 1 025 dólares são classificados como de renda baixa. Os que têm entre 1 026 até cerca de 12 500 dólares são os de renda média. Acima desse valor estão os de renda alta. A maior parte dos países hoje considerados ricos saiu da renda média para a alta em aproximadamente 30 anos.
A “armadilha da renda média” é a expressão usada para descrever a situação daqueles países que saíram da renda baixa para a média, mas, passadas mais de três décadas, não conseguiram chegar ao Primeiro Mundo. São incapazes de manter um elevado ritmo de crescimento da produtividade e continuar enriquecendo. O Brasil é um bom exemplo.
EXAME – Qual é o caminho para escapar dessa armadilha?
Ben Ross Schneider – A receita é conhecida. Os países que continuaram progredindo e ficaram ricos foram aqueles que registraram avanços nas áreas de educação, inovação, infraestrutura, justiça e estabilidade política e macroeconômica. Antes de falarmos dos obstáculos para adotar essa agenda de mudanças, vale registrar que ficou mais difícil sair dessa armadilha. Hoje, o Brasil investe cerca de 1,2% de seu PIB em pesquisa e desenvolvimento, um percentual semelhante ao que países europeus investiam quando fizeram a transição da renda média para a alta ao longo do século 20. Em resumo, o sarrafo subiu.
Dito de outra forma, a nota de corte ficou mais alta porque os países ricos continuaram progredindo. Voltando ao tema da receita para escapar da armadilha, muita gente se pergunta por que tantos países, como o Brasil, não conseguem chegar ao patamar do Primeiro Mundo se sabem o que deve ser feito. Nossas pesquisas indicam que os obstáculos não são econômicos. São totalmente de natureza política.
EXAME – O senhor quer dizer que o sistema político é o problema?
Ben Ross Schneider – Não falo de partidos, mas, sim, da incapacidade de países como o Brasil de formar coalizões dentro da sociedade em favor de determinadas mudanças. Essas coalizões de diferentes grupos sociais são importantes em vários sentidos. As transformações necessárias para um país elevar o investimento em pesquisa e desenvolvimento demoram muito mais do que um mandato presidencial. É preciso formar ótimos engenheiros e incentivar a criação de centros de pesquisa e uma atuação mais ativa das empresas. Sem uma pressão forte da sociedade, isso não começa ou, se começar, não tem continuidade. É preciso ter um pacto social com um plano de longo prazo que independa da ascensão ao poder desse ou daquele partido político.
EXAME – Por que é tão difícil formar essas coalizões sociais?
Ben Ross Schneider – Há, de modo geral, três fatores que impedem a união das pessoas em países presos na armadilha da renda -média. A desigualdade social, a existência de empresas em diferentes estágios e com interesses difusos — as multinacionais, as grandes, médias e pequenas nacionais — e um mercado de trabalho formal e informal. Cada um desses vários grupos possui prioridades diferentes. Esses embates são evidentes no Brasil.
EXAME – No Brasil, parece existir já há algum tempo um consenso em relação à necessidade de melhorar a qualidade da educação. Por que, mesmo assim, os progressos são tão lentos nessa área?
Ben Ross Schneider – Tendo em vista o montante que o Brasil gasta em educação, era de esperar que a qualidade do ensino fosse melhor. O problema no Brasil é de eficiência. Por que os governos não conseguem aumentar a eficiência no ritmo necessário? Porque não existe um verdadeiro consenso dentro da sociedade brasileira sobre a necessidade de realmente melhorar a educação.
Se você perguntar a empresários e eleitores em geral se a educação é importante, é claro que eles dirão que sim. Mas, se for ver a pressão que exercem sobre os políticos para que melhorem a qualidade do ensino, provavelmente verá que é marginal. Nada comparável ao que aconteceu nos Tigres Asiáticos, como a Coreia do Sul. Em partes da Ásia, os empresários disseram aos políticos que, sem trabalhadores mais educados, não teriam como fazer a economia crescer. Sem uma grande pressão, os políticos não têm incentivos para tomar decisões difíceis.
EXAME – Quais seriam essas decisões difíceis?
Ben Ross Schneider – Não quero ser leviano aqui. Há várias reformas necessárias para aumentar a eficiência da educação num país como o Brasil. Mas uma delas certamente é criar um sistema de remuneração dos professores que leve em conta o desempenho e que demita aqueles sem as condições mínimas de dar aula. O problema é que os sindicatos sempre se opõem a essa política. Por definição, eles são contra a demissão de seus associados. E, se os professores ganharem salários diferentes, ficará mais difícil para o sindicato chamar uma greve para um aumento universal de 10%. Os políticos não costumam ter a disposição de enfrentar os sindicatos quando não são pressionados.
EXAME – O que explica essa suposta falta de pressão dos empresários brasileiros em prol de reformas na educação?
Ben Ross Schneider – O Brasil passou por um processo de desindustrialização considerável nos últimos tempos, mas nem assim a necessidade de o país ter uma mão de obra mais qualificada virou consenso. Existe uma tendência em dizer que o país tem outras opções. Fala-se das riquezas naturais. Também não se vê nada concreto na área de inovação.
EXAME – Por que o Brasil caminha a passos lentos em termos de inovação?
Ben Ross Schneider – A explicação passa um pouco pelo que os economistas chamam de “maldição das commodities”. O Brasil é forte em mineração, por exemplo, e há mineradoras locais que investem em inovação. Mas o teto para inovar nesse setor é baixo. É bem diferente da Coreia do Sul, forte em produtos eletrônicos. Se a Samsung não investir pesadamente em novas tecnologias de smartphones, poderá comprometer seu crescimento futuro.
Muitas vezes quando falamos em inovação em países presos na armadilha da renda média, as pessoas imaginam que é preciso criar um novo Facebook ou Google. Não necessariamente. Investir em inovação deveria ser o dia a dia de muitas empresas de todos os setores. Trata-se de repensar os métodos empregados, atualizar as tecnologias adotadas comprando pacotes prontos de empresas locais ou do exterior… Até nesse sentido o Brasil tem tido um desempenho ruim.
EXAME – Qual deveria ser o papel do Estado nessa área?
Ben Ross Schneider – O governo poderia ter uma política fiscal para incentivar grandes empresas que exploram recursos naturais a criar novos empreendimentos em áreas mais intensivas em tecnologia. Na Finlândia, por exemplo, a Nokia era uma produtora de celulose. Algumas políticas públicas acabaram facilitando a transição da companhia para a área de telecomunicações. Sei que, depois de anos de sucesso no mercado de celulares, a Nokia teve tropeços na transição para a era dos smartphones, mas é inegável que a empresa foi fundamental para que hoje a Finlândia seja um centro importante na produção de softwares.
Fonte: exame.abril.com.br