Fabio de Oliveira foi surpreendido por dois policiais militares uma manhã do mês de dezembro quando ele estava fumando um cigarro de maconha na porta de casa, em um morro de Santa Teresa, no centro do Rio. Alertados pelo cheiro, a dupla, que fazia operação na comunidade, chegou até Fabio, o revistou e foi autorizada a entrar na casa. Ali encontraram cannabis embrulhada em filme plástico. Eram apenas seis gramas, mas a ocorrência, considerada como porte de drogas para consumo próprio e não tráfico, ocupou os policiais por mais de três horas, envolveu um delegado da Polícia Civil, o laboratório onde foi confirmada a natureza da substância e mais para frente mobilizará um juiz que deverá julgar a causa.
O roteiro, caro e burocrático, é comum demais no Rio de Janeiro e um relatório inédito do Instituto de Segurança Pública (ISP), que está sob a Secretaria do mesmo nome, mostra que é assim, em quantidades mínimas – algo em torno de 10 a 15 gramas em média – que é apreendida a maior parte da droga no Estado. O relatório demonstra que se o Brasil seguisse os exemplos de Portugal ou Espanha, nos quais 25 e 100 gramas de maconha, respectivamente, são utilizados como parâmetros para definir o que é usufruto pessoal, haveria algo como 60% e 80% de casos registrados no Rio como posse. O modelo espanhol e português são referência para pesquisadores da área. O exemplo português ficou conhecido no Brasil através do documentário Quebrando o Tabu, de 2011, protagonizado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Pela lei de drogas brasileira de 2006 não há uma quantidade mínima que determina o limite entre posse e tráfico. É primeiro um delegado no processo de denúncia e depois o juiz quem determinará o propósito da droga baseado na quantidade, no contexto da ocorrência e nas circunstâncias pessoais e sociais do portador. As penas variam de penas alternativas à prisão efetivamente, dependendo do critério do juiz. Em qualquer caso, a lei obriga a polícia a atuar. Assim, a apreensão de drogas ocupa boa parte do tempo dos policiais, conforme relataram à reportagem dois PMs que atuam em favelas e no programa Centro Presente que, financiado pelo setor privado, emprega policiais no centro da cidade para reforçar a segurança. “Depois dos furtos, perdemos muito tempo com isso. Qualquer ocorrência do tipo nos leva seis horas entre prendermos, levarmos à delegacia, irmos ao laboratório e voltarmos. A maioria das vezes ainda não dá em nada”, lamentam sob condição de anonimato. “A gente é obrigado a atuar, mas às vezes fazemos vista grossa. Não dá”.
Os dados do ISP abrem mais uma porta ao debate sobre a descriminalização das drogas, defendido pelo próprio secretário de Segurança Pública do Rio, Roberto Sá, e reforçado nos últimos dias pelo ministro do STF, Luís Roberto Barroso. “O primeiro e grande objetivo de uma política de drogas no Brasil deve ser acabar com o poder opressivo do tráfico […] o segundo, é reduzir o índice de encarceramento inútil de jovens primários que são presos como traficantes. São pessoas não perigosas que passam alguns meses ou alguns anos na prisão e saem de lá perigosas”, disse Barroso em entrevista recente ao O Globo.
Especialistas avaliaram o relatório a pedido do EL PAÍS e coincidem na avaliação de que a atual da política anti-drogas no Brasil é um fracasso, questionando os efeitos da lei de drogas no país. “O uso extensivo de efetivo policial nas ruas com objetivo de fazer revistas para encontrar drogas é enxugar gelo, uma péssima alocação de recursos, inadmissível em momento de austeridade fiscal”, avalia Ilona Szabó, diretora-executiva do Instituto Igarapé, think tank que influencia políticas públicas em segurança, justiça e desenvolvimento. “As operações que geram resultados significativos são aquelas que focam em ações de inteligência para o desmantelamento de redes de crime organizado, um problema que assola todo nosso estado, e não na apreensão de drogas, que é consequência.”
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Fonte: abordagempolicial.com