O processo que pode cassar o presidente Michel Temer está prestes a entrar em sua fase final no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O julgamento deve ocorrer na próxima terça-feira, dia 4 de abril, às 10h, informou a assessoria da corte.
Após pouco mais de dois anos de o PSDB ter pedido a anulação da eleição de Dilma Rousseff presidente e de Temer vice, devido a supostas ilegalidades na campanha eleitoral, o ministro relator do caso, Herman Benjamin, liberou ontem o relatório final do processo (um resumo com os principais pontos da ação em 1.086 páginas) para os demais integrantes da corte.
Ele telefonou na segunda-feira para o presidente do TSE, Gilmar Mendes, e informou que o processo estará pronto para julgamento assim que o Ministério Público apresentar sua última manifestação, o que ocorrerá até esta quarta. Nesse tipo de ação, a lei determina que Mendes deve marcar o julgamento já na sessão seguinte à liberação do voto do relator.
A velocidade de Herman Benjamin surpreendeu. Em entrevista recente à BBC Brasil, Mendes disse que o início do julgamento poderia ficar para o segundo semestre.
Nesta terça à noite, no entanto, a assessoria do TSE informou que o ministro determinou que a ação será julgada em uma semana.
Entenda abaixo o processo e seus possíveis desfechos.
Que processo é esse?
No final de 2014, o PSDB pediu ao TSE a cassação da chapa Dilma-Temer. A principal acusação – baseada em revelações da Operação Lava Jato – era de que a campanha petista tinha recebido vultosas doações de empreiteiras clientes da Petrobras e que esses recursos seriam na verdade propinas pagas com recursos desviados da estatal.
“Os benefícios dos recursos ilícitos recebidos são imensuráveis e, a toda evidência, desequilibram o pleito e afetam a legitimidade e a normalidade das eleições”, destacaram os advogados tucanos no pedido inicial.
Outras denúncias envolviam também o suposto uso da máquina pública em favor da reeleição de Dilma.
O que foi apurado?
O TSE demorou quase um ano para decidir se havia indícios suficientes de ilegalidades para abrir um processo contra a chapa Dilma-Temer, o que aconteceu em outubro de 2015.
Desde então, ocorreu a fase de instrução do processo, ou seja, a investigação e produção de provas. Foram ouvidas 58 testemunhas e realizadas perícias em gráficas contratadas pela campanha, suspeitas de terem servido como meio de desvio de recursos.
Deram depoimentos delatores que fizeram acordo com a Operação Lava Jato e integrantes da campanha petista, como o ex-ministro Edinho Silva, que atuou como tesoureiro.
As acusações mais fortes constam dos depoimentos de executivos da Odebrecht realizados neste ano e que estão em sigilo.
Segundo reportagens da imprensa brasileira, Marcelo Odebrecht, ex-presidente do grupo, disse ao TSE que a empreiteira doou R$ 150 milhões para a chapa presidencial eleita em 2014, sem esclarecer quanto seria caixa 2 ou propina. Desse total, R$ 50 milhões teriam sido repassados em contrapartida pela aprovação de uma Medida Provisória que beneficiava o grupo.
Ainda segundo jornais brasileiros, outro executivo da Odebrecht disse que também negociou com Edinho Silva repasses de R$ 7 milhões a cinco partidos que estavam coligados ao PT na campanha, o que teria consistido numa “compra” por aliança e tempo de TV.
O que diz a defesa?
Os advogados de Dilma e Temer negam qualquer ilegalidade na campanha. Eles também reclamam da condução final da instrução do processo, já que o ministro Herman Benjamin não autorizou depoimentos de testemunhas de defesa que poderiam rebater acusações levantadas pelos executivos da Odebrecht.
Ambas as defesas também solicitaram a anulação dos depoimentos dos executivos da Odebrecht, já que as testemunhas foram ouvidas após vazamentos ilegais de trechos de acordos de delação na Lava Jato.
“Defendemos que os depoimentos da Odebrecht não têm validade. Mas se decidir isso (que valem), tem que ter contraditório para a defesa. Não é possível que num processo dessa importância só se ouve um lado. Só se ouviu Odebrecht, não se ouviu mais ninguém”, disse à BBC Brasil o advogado de Dilma Flávio Caetano.
Segundo ele, as provas apresentadas pela empreiteira são pífias.
“Anotação do celular do Marcelo Odebrecht feita por ele mesmo, sem participação de ninguém, anotação de agenda com códigos que ninguém decifra. Impossível isso ser prova”, argumentou.
“Prova se faz com a participação do outro. Então teria que dizer quem recebeu, quem pagou, aonde foi. Nada disso foi apresentado”, afirmou ainda.
O julgamento pode durar quanto tempo?
Isso é imprevisível, já que ministros podem pedir vista do processo, para analisar melhor a ação. Na Justiça Eleitoral, esses pedidos em geral duram poucas semanas.
Além disso, embora seja improvável que Benjamin recue e atenda os pedidos da defesa, esses recursos também devem ser analisados pelos demais seis integrantes da cortes, quando tiver início o julgamento. Se a maioria considerar que mais testemunhas precisam ser ouvidas, por exemplo, isso poderia reabrir a fase de produção de provas, alongando o processo.
Quem vai julgar o processo?
O TSE é formado por sete ministros: três fazem parte do STF (Gilmar Mendes, Rosa Weber e Luiz Fux), dois do STJ (Herman Benjamin e Napoleão Nunes) e dois vêm da advocacia (Henrique Neves e Luciana Lóssio). Estes últimos são nomeados pelo presidente da República, a partir de uma lista tríplice eleita pelo Supremo.
Estão prestes a serem concluídos os mandatos de Henrique Neves (16 de abril) e de Luciana Lóssio (5 de maio), mas se o processo começar realmente na próxima semana eles ainda poderão votar.
O que é preciso para cassar a chapa presidencial?
Para que uma chapa eleita seja cassada não basta que fique provado que houve ilegalidade na campanha, é preciso que ela tenha sido suficientemente grave para interferir na lisura do pleito, violando o direito ao voto, explica a professora de Direito Eleitoral da FGV-Rio Silvana Batini. Essa é a avaliação que será feita pelos ministros.
A BBC Brasil conversou com juristas e integrantes do TSE sobre essa questão. Um dos pontos levantados, por exemplo, é se o recebimento de caixa 2 seria suficiente para cassar a chapa, tendo em vista que também há suspeitas envolvendo a campanha derrotada, do PSDB.
“Se os dois lados tiverem recebido, isso interferiu no resultado da eleição? É uma questão que terá que ser analisada”, explicou um deles.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo publicada no domingo, Gustavo Guedes, advogado do presidente Temer, disse que os valores que têm sido apontados nas denúncias corresponderiam a uma fração pequena do total gasto na campanha (R$ 350 milhões, segundo a declaração da chapa ao TSE) e não seriam suficientes para interferir na eleição.
“A premissa do direito eleitoral é sempre manter a vontade popular. Eu só posso desconstituir isso se achar determinadas condutas decisivas para a alteração do resultado eleitoral”, ressaltou.
Já o PSDB, na ação que deu início ao processo, destaca que Dilma e Temer venceram por pequena margem de votos (“diferença de apenas 2,28%”) e que, por isso, a “legitimidade dos reeleitos é extremamente tênue”.
Após o impeachment de Dilma, porém, o partido perdeu interesse na cassação da chapa, já que faz parte do governo de Temer. Em sua manifestação final, os advogados do PSDB isentaram o atual presidente de qualquer responsabilidade e apontaram Dilma como única culpada.
É possível cassar a chapa e manter Temer como presidente?
Uma das estratégias da defesa de Temer para tentar evitar sua cassação é argumentar que ele, individualmente, não teve papel determinante na captação de recursos e não cometeu qualquer ilegalidade.
A tese é considerada fraca por juristas: como presidente e vice são eleitos juntos, pelos mesmos votos, o entendimento predominante é que a chapa é indivisível. Se ficar comprovado grave abuso de poder econômico, a eleição é anulada e ambos perdem o cargo, independentemente da responsabilidade de cada nas ilegalidades.
Segundo a professora Silvana Batini, nunca houve decisão da Justiça Eleitoral no sentido de considerar ilegal uma campanha e cassar apenas o cabeça de chapa, preservando o vice, em casos de processos contra prefeitos e governadores.
Além de decidir sobre a anulação ou não do pleito eleitoral, os ministros também vão analisar se Dilma e Temer tiveram responsabilidade direta em alguma ilegalidade e devem ficar inelegíveis por oito anos.
Nessa caso, sim, pode haver separação das responsabilidades: a punição independe da cassação da chapa e pode ser aplicada a ambos, a apenas um deles ou a nenhum dos dois. Por exemplo, o TSE pode concluir que houve ilegalidade na campanha, cometida pelos tesoureiros, mas que Dilma e Temer não sabiam do ato ilícito.
Se Temer for cassado, o que acontece?
Caso o TSE decida pela cassação de Temer, o presidente já afirmou que recorrerá da decisão o STF. Não há prazo para que tal recurso seja julgado.
Se o Supremo confirmar uma eventual cassação, a própria corte terá que decidir se o sucessor de Temer deve ser escolhido pelo Congresso em eleição indireta ou se deve ser convocada uma eleição direta, para que a população escolha nas urnas um novo presidente.
Em ambos os casos, o eleito só governaria até 2018, concluindo o mandato de Temer.
A Constituição Federal prevê que, após decorrida metade do mandato presidencial, se os cargos de presidente e vice ficarem vago, é o Congresso que deve escolher o novo mandatário do país.
No entanto, conforme mostrou a BBC Brasil, há uma ação pronta para ser julgada no STF que pede que o pleito seja direto no caso de a eleição ser anulada pela Justiça Eleitoral, quando faltarem ao menos seis meses para a conclusão do mandato.
Se o TSE não considerar Temer inelegível, mesmo cassado ele poderia ser eleito como presidente pelo Congresso, segundo Gilmar Mendes.
*Esta reportagem foi atualizada no dia 28 de março de 2017 às 19h59 para incluir a informação sobre a data do julgamento da ação.
Fonte: BBC.com