Em um ano de eleições gerais em alguns de seus principais países, a União Europeia acredita ter uma nova receita para diminuir o apelo de partidos populistas que figuram atualmente no topo das pesquisas de opinião: abandonar a política de portas abertas e austeridade em favor de mais segurança e proteção social.
A ideia consta do rascunho da chamada Agenda de Roma, um documento que traça a linha de atuação da UE para os próximos dez anos e será assinado no próximo dia 25, na capital italiana, pelos 27 países que permanecerão no bloco depois da saída do Reino Unido.
O texto sucinto será a conclusão de um “processo de reflexão” sobre o futuro do bloco motivado pelo Brexit, com o objetivo de responder aos descontentamentos que levaram 52% dos britânicos que votaram no plebiscito a optar por deixar a União Europeia em junho passado.
Várias pesquisas realizadas na época indicaram a imigração, o desemprego, o medo do terrorismo e o desejo de maior autonomia nacional como principais motores do Brexit.
Imigração e desigualdade
A agenda de Roma, segundo o rascunho que será analisado na sexta-feira em uma cúpula em Bruxelas, aborda todas essas questões e promete “uma União que seja um lugar mais seguro e próspero para se viver”.
O extremismo, a “crescente pressão migratória”, conflitos regionais, protecionismo e desigualdades sociais e econômicas são apresentados como “novos desafios” para o bloco.
Por isso, a UE do futuro lutará “contra o terrorismo e o crime organizado” e terá “fronteiras seguras e uma imigração administrada de forma humana e efetiva”.
Também se comprometerá a “aprofundar a dimensão social, fortalecer ainda mais a união monetária europeia, dar impulso à cooperação em segurança e defesa, e tornar (suas) sociedades mais fortes e resistentes à globalização”.
“Perseguiremos esses objetivos, convictos de que o futuro da Europa está em nossas mãos”, afirma o documento preparado conjuntamente pelo Conselho Europeu, o governo italiano e a presidência de turno da UE, exercida por Malta.
Defesa
O texto revela ainda uma União Europeia decidida a tomar as rédeas de sua própria segurança externa, com “uma indústria de defesa mais integrada, que proteja um sistema multilateral baseado em regras, orgulhosa de seus valores e capaz de proteger seu povo”.
O bloco se diz “pronto para assumir mais responsabilidades e comprometido com reforçar sua segurança e defesa comuns”, uma ideia à qual Reino Unido sempre se opôs.
A mudança de direção é também uma reação às declarações de Donald Trump de que os Estados Unidos, aliado da UE na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), não podem ter mais responsabilidade pela segurança europeia que os próprios europeus.
O primeiro passo para a maior integração da Defesa foi dado na última segunda-feira, quando o bloco decidiu criar em Bruxelas um quartel-general para coordenar as missões de treinamento militar que conduz no Mali, na Somália e na República Centro-Africana.
“Europa tem que evitar toda dependência a que possa ser submetida”, disse o presidente francês, François Hollande, depois da decisão.
Autonomia
Para quem se preocupa com a possível submissão de seu país aos desejos de Bruxelas em detrimento dos interesses nacionais, a Agenda de Roma deixa claro que, a partir de agora, nenhum membro será obrigado a participar de iniciativas das quais está em contra.
A UE “poderá avançar com ritmos e intensidades diferentes quando necessário”, como sugeriram as quatro principais economias da zona do euro – Alemanha, França, Espanha e Itália – na segunda-feira, em Versalhes.
O texto final ainda pode sofrer alterações, mas fontes do Conselho Europeu consideram pouco provável que haja mudanças substanciais.
As ideias contempladas levaram meses circulando entre os líderes europeus.
Na quarta-feira, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, disse que a UE deve aproveitar o atual momento de crescimento econômico e criação de trabalho para “estender os benefícios de maneira mais ampla e justa entre os cidadãos”, uma linha já defendida pelo comissário de Assuntos Financeiros, Pierre Moscovici, quando apresentou os últimos dados sobre a evolução da economia europeia, no final de fevereiro.
O controle da imigração também já vem sendo reforçado com um acordo de readmissão de clandestinos com a Turquia, o fechamento das fronteiras nos países da chamada rota balcânica utilizada por refugiados e o lançamento de uma missão marítima europeia na costa da Líbia, de onde partem hoje 90% dos imigrantes clandestinos que buscam chegar à UE.
Pressa
Ao incorporar essa linha política em uma agenda a longo prazo, os líderes europeus esperam recuperar a confiança de seus cidadãos a tempo para as eleições gerais que serão realizadas em alguns dos principais países do bloco este ano.
Na França, que vai às urnas em abril, o partido de extrema direita Frente Nacional (FN), com um programa nacionalista e antieuropeu, lidera as pesquisas de opinião. O mesmo acontece na Holanda com o Partido da Liberdade (PVV).
Ambos prometeram convocar plebiscitos sobre uma possível saída de seus países da UE se assumirem o governo, o que poderia causar o colapso do bloco.
Para Yascha Mounk, analista do centro de reflexão German Marshall Fund, a Agenda de Roma envia “uma mensagem implícita de que os políticos reconhecem que a estabilidade do sistema está em perigo” e “precisam se conectar com os cidadãos”.
“Ela traz respostas concretas que podem ajudar (a conter o avanço do populismo). Mas não acredito que seja a solução. Para mudar o rumo das coisas, os políticos nacionais devem fazer uma grande contribuição com sua maneira de governar, de usar os orçamentos”, afirmou à BBC Brasil.
A vitória do ‘Brexit’, em junho passado, a quase eleição do líder da extrema-direita Norbet Hofer à presidência da Áustria, em dezembro, e a inesperada eleição de Donald Trump nos Estados Unidos convenceram a UE de que ameaça a seus interesses é real.
No entanto, para Yann-Sven Rittelmeyer, analista do centro de reflexão European Policy Centre (EPC), ver a Agenda de Roma como uma resposta a esses eventos “seria muito redutor”.
Ele a encara como “uma resposta às preocupações da população, uma maneira de mostrar que a UE tem valor agregado e pode ser a resposta aos problemas” dos cidadãos.
“Não se trata apenas de fechar fronteiras, mas de organizar melhor as coisas para poder lidar com novas crises em potencial”, afirmou à BBC Brasil.
Rittelmeyer destaca também que a ideia de permitir que algumas propostas europeias sigam adiante sem a participação de todos os países é um avanço que seria necessário independemente do Brexit.
Isso permitirá romper impasses que têm impedido ou atrasado decisões importantes nos últimos anos, avalia.
“A UE está em um momento crucial com o Reino Unido prestes a ativar o artigo 50 (que dará início às negociações de sua saída do bloco) e em meio de uma crise existencial. É o momento de mudar seu modo operatório.”
Fonte: bbc.com