Por que o PT insiste que ‘não há plano B’, mesmo com Lula cada vez mais longe das urnas?

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vive uma contradição: por um lado, acumula derrotas na Justiça e está cada vez mais próximo de ser impedido de concorrer nas eleições de 2018 pela Lei da Ficha Limpa. Por outro, continua com a liderança folgada nas pesquisas de intenção de voto – o último levantamento, divulgado pelo Datafolha na quarta-feira, mostra o petista com algo entre 34% e 37% dos votos, dependendo do cenário.

A pesquisa foi realizada depois de o petista ter a condenação pelo caso do tríplex confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre. Em novo revés contra ele, o ministro do STJ Humberto Martins negou na terça, de forma provisória, um pedido da defesa do petista para que ele não fosse preso antes de esgotar todos os recursos nos tribunais superiores contra a decisão.

O STJ ainda terá que se reunir para discutir o mérito do caso. Sem uma decisão favorável do STJ ou do STF, Lula pode ser preso dentro de poucos meses, após o TRF-4 responder aos recursos da defesa do ex-metalúrgico – que, em tese, não têm possibilidade de reverter a condenação.

Diante deste quadro, porque é que a direção do PT repete como mantra a palavra de ordem de que “não há plano B” a não ser Lula?

Reservadamente, petistas admitem que a argumentação é alimentada também por uma preocupação concreta: há o temor de que uma eventual disputa pelo posto de sucessor de Lula na corrida eleitoral possa dividir e enfraquecer ainda mais o PT, jogando o partido em uma luta interna similar à que ocorreu com o PSDB nos últimos meses.

Além disso, os principais nomes do partido dizem que não há nomes à altura do ex-presidente, e muitos mantêm a crença de que os tribunais superiores (STF e STJ) garantirão a candidatura dele.

“Esta ideia de que ‘não há plano B’ tem dois motivos: o primeiro é que não tem mesmo, por agora. E essa tese, como fala pública, mantém a tropa animada e tem o papel pedagógico de não alimentar as pretensões de quem queira ser candidato (presidencial). Ora é porque não tem mesmo, e ora é para evitar problemas internos”, diz um petista de uma corrente à esquerda do partido, ouvido pela BBC.

Além disso, ungir desde já um “plano B” para o caso de Lula ser impedido de concorrer também enfraqueceria a defesa do ex-presidente, pois a atenção da militância tenderia a se voltar para o candidato “de fato”.

A condenação dos desembargadores de Porto Alegre diz respeito ao suposto pagamento de propina a Lula pela construtora OAS. A vantagem teria sido dada por meio de um apartamento tríplex no Guarujá (SP). Com a decisão do TRF, o petista tende ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa e a tornar-se inelegível. Uma decisão definitiva sobre a candidatura, porém, será dada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A realidade e o discurso oficial

O líder da bancada do partido na Câmara, deputado Paulo Pimenta (RS) ,disse que a decisão que está valendo neste momento foi tomada na última quinta-feira, em uma reunião da Executiva Nacional da sigla em São Paulo. “Vamos inscrever (no Tribunal Superior Eleitoral) a candidatura do presidente Lula (…). Não cogitamos nenhum outro nome diferente do dele”, afirmou.

“Uma eleição sem Lula não tem legitimidade, é fraude. Então, se a gente indicasse outro nome, estaríamos dando um ar de legalidade a um processo (eleitoral) espúrio”, disse o deputado gaúcho. Pimenta não admite a possibilidade de ter que voltar atrás nesta argumentação: para ele, não há possibilidade de Lula não concorrer.

Para o deputado, o caso só transitará em julgado (isto é, quando não cabe mais nenhum recurso) depois das eleições. O líder da bancada petista diz que, nas eleições municipais de 2016, houve 145 candidatos a prefeito que concorreram com o registro negado pelo TSE. “O STF não vai julgar a candidatura de Lula, e sim Lula eleito no primeiro turno. Precisará dizer se o Lula eleito tomará posse ou não”, argumentou ele.

Por outro lado, a indefinição na candidatura presidencial pode prejudicar os demais candidatos do PT. Dos cinco governadores do partido, quatro estão em primeiro mandato e podem, em tese, disputar a reeleição: Wellington Dias (PI), Rui Costa (BA), Camilo Santana (CE) e Fernando Pimentel (MG). Um candidato presidencial competitivo é importante ainda para tentar manter as bancadas na Câmara e no Senado.

A palavra de ordem de que “eleição sem Lula é fraude” terá consequências práticas no comportamento do PT nos próximos meses: a sigla está organizando comitês locais formados por militantes para defender o ex-presidente.

Enquanto não há uma definição sobre a situação jurídica de Lula, o cronograma do PT para a pré-campanha inclui uma caravana pelos três Estados da região Sul do país, entre os dias 27 de fevereiro e 5 de março; e participações de Lula nos protestos no Dia Internacional da Mulher (8 de março) e na edição de 2018 do Fórum Social Mundial, que ocorre em meados de março em Salvador, na Bahia. As informações sobre o roteiro são da presidente nacional do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR).

O partido também resolveu antecipar o lançamento oficial da pré-candidatura de Lula: será no dia 7 de fevereiro, em Belo Horizonte (MG).

O aglutinador do PT

Mas e as falas do próprio Lula, que no passado indicou que poderia ser substituído por Jaques Wagner (ex-governador da Bahia) ou por Fernando Haddad (ex-prefeito de São Paulo)? Até agora, tanto o ex-governador quanto o ex-prefeito defendem a candidatura do presidente de honra do PT nas redes sociais.

“Não tem plano A, B, C ou D. Nós só temos o plano L, é Lula”, disse Wagner no dia 23 de janeiro, em um evento no Rio Grande do Sul.

O ex-governador e o ex-prefeito também não mostraram bom desempenho em pesquisas eleitorais. No último levantamento do Instituto Datafolha, da última quarta-feira, Jaques Wagner teve apenas 2% de intenção de voto, em todos os cenários nos quais foi testado. Na pesquisa anterior da mesma empresa, publicada em dezembro, Haddad aparecia com 3% das intenções de voto.

Num cenário sem Lula, porém, há outros fatores que podem se transformar em problemas internos para o PT, além da definição de candidaturas. A começar pela própria formação da sigla: o PT é a soma de várias correntes internas, como Democracia Socialista (DS), Articulação de Esquerda (AE), O Trabalho (OT) e Construindo um Novo Brasil (CNB), que possui hoje maioria no partido. É senso comum entre petistas dizer que Lula é a argamassa que segura o conjunto.

“Siglas com posições ideológicas bem definidas, de direita ou esquerda, nunca tiveram bom desempenho eleitoral. Então, os grupos de esquerda que criaram o PT no fim dos anos 1970 precisavam de uma liderança carismática que pudesse ser a cara daquele projeto. E aí surge o Lula, que acabou se tornando maior que o próprio PT”, diz Antônio José Barbosa, especialista em história política brasileira.

“De certa forma, Lula se tornou um aglutinador (dos vários grupos)”, diz Barbosa, que é professor do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Barbosa acredita que a coesão entre esses grupos corre risco caso Lula seja definitivamente afastado da vida pública.

Desde a condenação de Lula no TRF, alguns dos principais líderes do partido também bateram cabeça em público: Gleisi Hoffmann (PR) teve sua declaração sobre a necessidade de “matar gente” minimizada por petistas como Paulo Okamotto (presidente do Instituto Lula) e os deputados Carlos Zarattini (SP) e o próprio Paulo Pimenta.

Gleisi disse à BBC Brasil ser “pacifista como (Mahatma) Gandhi e Martin Luther King”, e afirmou que a expressão criou “um auê” desnecessário. “Ninguém faz esse auê quando é o (Jair) Bolsonaro ou (o juiz Marcelo) Bretas usando expressões violentas.”

Até mesmo o mote de que “não há plano B” gera discordância: o ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, disse na semana passada em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que o PT já deveria estar pensando em alternativas a Lula, apesar de ter defendido o direito do ex-presidente de concorrer.

Racha

Fora dos muros do PT, a provável saída de Lula da disputa também significa uma fragmentação maior no campo da esquerda.

Até mesmo o PC do B, sigla historicamente ligada aos petistas, terá candidatura própria, com a ex-deputada Manuela D’Ávila (RS). O mesmo ocorre no PDT, com o ex-ministro de Lula, Ciro Gomes (CE). PSOL e PSB também devem ter candidatos em 2018.

Ou seja: as legendas vêem agora uma oportunidade de desbancar a hegemonia do PT dentro da esquerda.

Segundo Gleisi, o PT pode estar junto dos demais partidos de esquerda “no primeiro ou no segundo turno”. Mas, para ela, “a unidade da esquerda não se dá só em torno de candidatura”. “Cada um destes partidos têm legitimidade para disputar”, disse.

Até o ex-ministro José Dirceu, que já foi um dos caciques mais importantes do PT antes de ser condenado e preso pelo mensalão e, depois, pela operação Lava Jato, publicou um vídeo no começo da semana apelando para a unidade da esquerda.

Segundo Dirceu, “é a hora da unidade. É preciso reunir os candidatos a presidente da esquerda, dos democratas, dos progressistas (…). Todos, em defesa da democracia, em defesa do direito do Lula ser candidato”.

Dirceu está solto desde maio de 2017 graças a uma decisão provisória (liminar) do STF, depois de passar dois anos preso em Curitiba.

Fonte: bbc.com/portuguese

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